domingo, 1 de maio de 2011

BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arquipélago editorial, 2006.

“A vida que ninguém vê” expressa perfeitamente a convicção que Marcelo Rech coloca no prefácio: “tudo pode virar uma grande reportagem na mão de um grande repórter”. Eliane Brum mostra como transformar em grandes histórias fatos tratados normalmente de forma simplória e, as vezes, como um cotidianos ingrato para os excluídos e esquecidos. O livro é uma compilação da coluna de quase 11 meses da jornalista no jornal “Zero Hora” de Porto Alegre em 1999, que lhe rendeu um “Prêmio Esso de Jornalismo – Regional Sul”.

Com uma narrativa envolvente que se utiliza de uma adjetivação precisa, pertinente e nem um pouco aleatória, Brum traz histórias de pessoas normais que, por exemplo: têm um sonho comum; que é exemplo de superação e sofre preconceito; que têm comportamentos fora do padrão e não são compreendidas. Histórias que só foram encontradas pela disposição da repórter em buscá-las nas ruas e do seu diretor de redação, Marcelo Rech, em propor a essa experiência no jornal.

Uma das histórias que mais marca e faz refletir no livro é a de Eva, “Eva contra as almas deformadas”. Ela é negra, pobre e teve paralisia cerebral. Tudo isso poderia fazê-la conformar-se com sua situação e colocar-se como uma coitada, digna de pena. Eva se recusa a representar esse papel, supera suas limitações, se forma educadora (pagando a faculdade trabalhando como doméstica), consegue emprego, é demitida, presta concurso público, é a provada em nono lugar nas provas e reprovada no exame neurológico. É vítima de uma série de preconceitos nesse percurso e em 14 de Agosto de 1999 (data de publicação), trabalhava como domestica e esperava pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal do recurso contra o resultado do concurso.

Outra história representativa do livro é a de Leandro, “O menino do alto”. Vivia no Morro da Polícia, foi atropelado e entrou em coma. No hospital seu tratamento foi negligenciado, pois enquanto estava em coma deveria receber fisioterapia para manter os membros ativos. O que não foi feito. Os médicos o mandaram de volta para casa sob o argumento de “que nada mais poderiam fazer por ele” (p. 72). Com a dedicação de seus pais e a ajuda de uma enfermeira que o descobriu no morro, Leandro pode entrar na fisioterapia e ter a esperança de voltar a andar.

Em “Olhar redentor”, de Paulo Lima, é citada uma frase supostamente dita por Julio Neto, membro da família dona do “Estadão”: “não sei por que vocês vivem fazendo tantas matérias com esses pobres, índios, sem-terra, favelados, moradores da periferia, da Amazônia. Essa gente toda nem lê o nosso jornal”. No livro, Eliane Brum vai de encontro a esse pensamento. Emerge para os leitores as histórias dos não leitores, coloca em pauta a realidade escondida na periferia, deitada na calçada, ignorada nas ruas.

Por Marcelo Argôlo

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