domingo, 1 de maio de 2011

BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: ed. Arquipélago Editorial, 2006.

A vida que ninguém vê, da jornalista gaúcha Eliane Brum, é uma coletânea, organizada em 2006, dos textos publicados em sua coluna no jornal Zero Hora no fim dos anos 1990. São textos essencialmente literários, de caráter crônica-reportagem, que buscavam resgatar a beleza – ou a fealdade incômoda – das situações cotidianas que a população (gaúcha, no caso) vive, mas que não enxerga ou opta por não enxergar. Já nas últimas páginas, Eliane faz uso do clichê jornalístico sobre a notícia (“o homem que morde o cachorro”) para afirmar que o cachorro que morde o homem também pode ser interessante e inusitado.
                Os textos, que podem ser vistos como perfis, diferenciam-se não pela fama dos indivíduos ou das situações que tratam, mas pelo extraordinário do comum.
                Dois de seus perfis, “Adail quer voar” e “Enterro de pobre”, receberam uma espécie de continuação: “O dia em que Adail voou” e “Depois da filha, Antônio sepultou a mulher”, respectivamente. São dois dos textos mais envolventes da coletânea, bem como são os que mais trazem o leitor de volta à realidade, uma vez que Eliane tem uma escrita fluida e descritiva que, em certo momento, o leitor de sua obra pode começar a encarar todas aquelas histórias como ficção e entretenimento, ainda que de qualidade.
                “Adail quer voar” apresenta Adail José da Silva, funcionário do Aeroporto Salgado Filho há 36 anos, os quais passou apenas observando os aviões decolarem, sem nunca ter estado dentro de um deles. Seu principal desejo era viajar na aeronave, para que pudesse pagar uma promessa a Nossa Senhora, na tradicional cidade de Aparecida, em São Paulo. Neste dia, seria tratado como “doutor”. A vida de Adail, contudo, não é ficção, de modo que sua história não acabou ao fim do texto de Eliane Brum. Uma companhia aérea, então, decide patrocinar o sonho do gaúcho. E, assim, é que Adail vira personagem novamente, em “O dia em que Adail voou”.
                “Enterro de pobre”, por sua vez, narra um episódio da vida de Antônio, ao enterrar a filha que nem sequer conheceu. Segundo Brum, não há nada mais triste do que enterro de pobre, visto que o pobre começa a ser enterrado ainda vivo – enterrado e engolido pelo mundo. Apesar de, na coletânea, “Depois da filha, Antônio sepultou a mulher”, ser um dos últimos textos, a continuação da triste saga de Antonio se dá cinco dias depois. Sua mulher, Lizete, morreu de um AVC (Acidente Vascular Cerebral) devido ao sangue perdido com as complicações do parto. Sem apelar para a pieguice, Brum consegue traduzir para o seu leitor a dor de Antonio, bem como sua resignação.
                É em textos como “O conde decaído” e “O álbum”, entretanto, que a autora consegue transcender sua incumbência de retratar a vida de pessoas, pura e simplesmente. Ao narrar situações provenientes de dois seres inanimados (uma estátua de mármore de um antigo conde de Porto Alegre e um álbum encontrado na rua), que a jornalista se supera, ao revelar como objetos “invisíveis” e renegados ao esquecimento foram e ainda podem ser significativos para alguém. Desmistifica, ainda, a idéia de que perfis são, unicamente, sobre pessoas específicas, pois podem ser sobre tudo. 

Por Thais Borges

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