domingo, 1 de maio de 2011

A vida que ninguém vê, Eliane Brum


 A gente comum, que se vê andando pelas ruas e que não ocupa espaço nas capas de revistas. Gente de verdade, feita de carne e osso, alegrias e desgraças. Gente que não rende boas histórias, porque gente que nem a gente não tem graça.
 Eliane Brum prova o contrário. O trabalhador, a dona de casa, o mendigo da praça e a criança remelenta ganham destaque e poesia nas páginas de “A vida que ninguém vê”, de maneira muito mais bonita que os romances da televisão. É lindo porque é real. Eliane mostra que há mais magia e emoção na realidade do que se ousa imaginar. São momentos de dor ou felicidade, de vitória ou de simples constatação do quanto a vida pode ser dura para quem não nasceu eleito.
 Talvez o mais surpreendente não sejam exatamente as histórias, mas a forma como são contadas. É lírico, mas sem pieguices, porque Eliane parece entender seus personagens e conectar-se com eles de uma forma impressionante. Eliane constrói perfis e narra trajetórias de vida com sensibilidade inigualável.
 Alguns se perdem, é verdade, e parecem um tanto reflexivos de mais, de maneira que não se consegue entender bem o que se passou. Percebe-se os sentimentos, mas não os fatos por trás deles. Isso trava um pouco a leitura e incomoda no sentido de ao final do conto não se compreende exatamente qual era a história. Mas são poucos esses exemplos, como “O álbum”.
 A crônica que mais me toca é exatamente a primeira, “História de um olhar”. Um rapaz perdido e desacreditado, a quem faltava tudo, mas que encontra uma razão de ser na escola. Sua relação com a professora e a maneira como Eliane descreve a ação de se ver nos olhos dela, se enxergar não mais o louco e descabido que todos viam, mas seu verdadeiro eu são emocionantes.
 Em outras, como “Enterro de pobre”, a realidade apavorante do Brasil choca e fere. Antônio perde a filha e vê para além da morte o significado da vida dos mais pobres. “Enterro de pobre é triste menos pela morte e mais pela vida”. Mais tarde, já no final do livro, sua história é retomada e descobre-se que, logo depois, Antônio também enterra sua mulher, vítima do precário sistema de saúde pública. Dois de seus filhos não andam e estão internados em estado grave com pneumonia. Ainda há mais dois, sadios, esperando pelo almoço num casebre alugado. É triste e dói, mas é a vida.
A vida que ninguém vê é assim. Dá um milhão de motivos pra rir e pra chorar. Tem esperança, tem alegria, tem realização, tem muito sofrimento. Tem a história de quem apanhou muito e não desistiu, às vezes porque não sabia que tinha esse direito.

 Por Flávia Faria

Nenhum comentário: